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| foto daqui: https://www.jpn.up.pt/2022/02/23/35-anos-sem-zeca-afonso/ |
Faria hoje 93 anos e eu, não serei caso único, cresci a ouvi-lo. Tivesse eu filhos e teriam a mesma sorte.
Figura tão consciente, tão terra a terra, tão conhecedor da essência das pessoas e tão assertivo que, se assistirmos às entrevistas dadas há quarenta atrás, são de uma actualidade assinalável.
Nos vídeos disponíveis vejo um homem afável, simpático, talvez algo tímido, pacato, mas de sorriso fácil, um tipo porreiro e como uma humildade muito difícil de encontrar. O melhor de todos que juntou os melhores à sua roda. Reconheciam-se certamente.
Zeca, Zé Mário, Adriano, Fanhais...
E de onde vem esta forma de tratar os melhores, por tu, pelo nome próprio, como se os conhecessemos? Porque se revelavam sempre humanos? Porque a informalidade com que se expressavam nos fazia crer numa proximidade que não existia? Porque falavam uns dos outros assim, com esse à vontade e essa simplicidade? Porque se apresentaram sempre longe do endeusamento das vedetas, onde gostamos de colocar os melhores? Porque, sabendo nós que o plano em que nos encontramos não é o mesmo, eles acreditavam que sim e sempre agiram como se assim fosse?
E talvez os tratemos por tu por serem da geração dos "pás", da geração "da malta", dos que se tratam sempre por tu porque isso era mais "à esquerda" na época dos bigodes farfalhudos, longe das formalidades impostas, como se a formalidade fosse sinónimo de respeito. Não era na altura, nem é agora.
Eram a malta com amor à liberdade e principalmente a nós todos. É aqui que assenta o que os faz imortais e a nós para sempre devedores: o amor que nos tinham a todos, o amor que traziam nas palavras e nas cordas das guitarras, amor por e para nós, todos carentes de pão e de estudos, é certo, mas também de amor e carinho, de força e de dignidade que o Zeca e o Zé Mário e muitos outros, nos devolveram, com o espanto da coisa nova e boa, as nossas tradições, os nossos usos, os nossos instrumentos, as nossas vozes, as nossas danças... Afinal tínhamos do que nos orgulhar. Tínhamos coisas bonitas e de qualidade.
Malta dedicada à causa da liberdade, da música, da alfabetização, da vida justa e digna para todos. De mão dada connosco, com as nossas tradições, numa missão ingrata pela qual não seremos não fomos não somos gratos o suficiente.
Talvez esteja a ser injusta. Talvez o facto de hoje, 2 de Agosto, encontrarmos tantas referências ao aniversário do Zeca seja uma forma de nos mostrarmos gratos ao homem, que por nos ter dado tanto, não o deixamos realmente morrer. Talvez afinal, seja esta a forma mais pura de gratidão: ouvirmos, lermos, cantarmos, tocarmos, dançarmos ao som de horas e horas da música que ficou. E sempre com o espanto (a mim pelo menos, acontece-me) de perceber que é tão boa, tão rica, tão cheia de significados e é do Zeca e porque é do Zeca, é nossa.
Ouçamos...
